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Segundo Jack Balkin, professor de direito constitucional da Universidade de Yale, é comum tanto a políticos de carreira como a acadêmicos do Direito a defesa de maior protagonismo dos tribunais constitucionais em momentos de polarização política. Entretanto, por mais que esses dois grupos concordem com o tal protagonismo, divergem quanto às suas razões.[1]
Com efeito, enquanto muitos constitucionalistas enxergam nos tribunais constitucionais a possibilidade de maior proteção de direitos fundamentais de minorias, a classe política aposta no Poder Judiciário como um meio de blindagem de seu capital político. Explicamos: em vez de correrem o risco de se desgastarem com a opinião pública debatendo causas polêmicas no parlamento, muitos partidos preferem transferir o debate para as barras do Judiciário.
No Brasil, essa transferência de demandas para o Poder Judiciário – que comumente eram discutidas no Poder Legislativo e Executivo – resultou naquilo que pesquisadores viriam a denominar de judicialização da política, fenômeno que levou o STF a decidir pautas de conteúdo moral, extremamente sensíveis, complexas e de grande repercussão, como: (i) as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3.510/DF); (ii) a interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF 54/DF); (iii) a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3.388/RR); (iv) a legitimidade de ações afirmativas e cotas sociais e raciais (ADI 3.330 e ADC 41/DF); (v) e o ensino religioso em escolas públicas (ADI 4.439).
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A consequência natural da judicialização da política foi o desgaste do STF perante a opinião pública, o que certamente foi intensificado pela transmissão, em cadeia nacional, dos julgamentos pela TV Justiça.
Outro efeito da polarização política, que o professor Balkin nos chama a atenção, é a transformação das cortes constitucionais em espaços de batalha político-ideológica, o que acaba por influenciar o modo com que juízes são escolhidos pelos chefes do Poder Executivo, nos regimes presidencialistas. Nesse sentido, segundo Balkin, a polarização contamina os próprios tribunais, dividindo-os internamente.[2]
Como muito bem documentado na obra Os onze, de Felipe Recondo e Luiz Weber, esse fenômeno ficou nítido no Brasil a partir dos desdobramentos do Mensalão, quando os primeiros ruídos da polarização política começaram a dar as cartas do debate público. Enquanto nas décadas de 1990 e 2000, o STF teve como característica a discrição de seus membros – praticamente desconhecidos para o grande público –, hoje nos deparamos com uma Corte formada por verdadeiras celebridades que são porta-vozes de populares contas do Twitter.[3]
O acirramento ideológico intra STF chegou a ponto do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciar que nomearia um ministro “terrivelmente evangélico” para fazer frente aos ministros escolhidos pelo PT, muito embora a Constituição da República exija tão somente os requisitos do “notório saber jurídico” e da “reputação ilibada”.
A frente ampla democrática liderada por Lula em 2022 defendeu uma política voltada para o fim da polarização política e em vistas à pacificação social, razão pela qual Geraldo Alckmin foi nomeado para a vice-presidência da República, como sinal de comedimento ideológico.
Resta saber agora como o presidente Lula fará as próximas nomeações ao STF, sobretudo após o trágico evento de 8 de janeiro, em que o STF foi atacado por fanáticos eleitores do governo anterior.
Ao que tudo indica, serão duas nomeações apenas para este ano de 2023.
Se voltarmos os olhos para os dois mandatos presidenciais de Lula (de 2003 a 2010), é possível afirmar, com a exceção de Dias Toffoli, que as nomeações seguiram um caráter técnico e pouco ideológico. Em outros termos, foram feitas escolhas impessoais, pautadas muito mais na produção intelectual, na atividade acadêmica e na experiência prática de cada ministro, do que numa eventual fidelidade partidária. A ideologia que importou, naquele momento, foi a ideologia da democracia, cujos valores estão expressos na Carta de 1988.
Nesse sentido, é indispensável que Lula siga com a mesma postura política que o levou à presidência: é tempo de abaixar as armas, findar o ódio e reaproximar amigos e familiares que se afastaram nesses tempos sombrios. O melhor a fazer, portanto, é escolher uma ministra ou um ministro que esteja genuinamente preocupado com a questão constitucional, com a qualidade da democracia e com a proteção de direitos fundamentais.
Rômulo Monteiro Garzillo é advogado criminalista, sócio fundador do Garzillo, de Azevedo Marques Advogados, doutorando em Teoria do Estado pela USP, mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP e bacharel em Direito pela PUC-SP. É autor do livro Elementos autoritários em Carl Schmitt, publicado pela Editora Contracorrente em 2022.
Laura de Azevedo Marques é advogada criminalista, sócia fundadora do Garzillo, de Azevedo Marques Advogados, especialista em Processo Penal pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
[1] BALKIN, Jack. The cycles of constitutional time, 2020, p. 86.
[2] BALKIN, Jack. The cycles of constitutional time, 2020, p. 84
[3] RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os onze: o STF, seus bastidores e suas crises, 2019.