Das poucas vocações que Jair Bolsonaro possui, uma delas é a de sabotar a si próprio. Essa forma de autossabotagem surge, em Bolsonaro, por meio da infração à moralidade pública e aos princípios de Direito, resultando em condutas incivilizadas e autodepreciativas.
Tal característica pode ser analisada em sua biografia, a partir do trágico incidente que resultou em sua expulsão do Exército, em 1987, por indisciplina. Também as duas décadas em que Bolsonaro atuou como deputado federal foram marcadas pela insignificância, irrelevância e exclusão política: nota-se que a condição de permanente pária parece acompanhá-lo ao longo de sua trajetória.
Os únicos instantes em que Bolsonaro ganhou holofotes no Congresso Nacional foram: (1) ao afirmar que não estupraria a deputada Maria do Rosário, porque ela “não mereceria” e; (2) ao também agredir os pilares mais fundamentais da civilidade, prestando homenagens ao torturador de Dilma Rousseff, Carlos Brilhante Ustra. Nesses dois momentos épicos, o ex-capitão dedicou cada segundo de suas falas para fazer com que sua anônima idiotice ontológica galgasse o estrelato (inter)nacional.
Enquanto candidato à Presidência da República, Bolsonaro continuou transgredindo os princípios democráticos, sobretudo ao fugir dos debates e se beneficiar de uma avalanche de fake news.
No entanto, como todo autossabotador que se preze, a conquista da posição tão almejada – leia-se, a presidência da República – fez de Bolsonaro o protagonista de uma sucessão interminável de atos inconscientes que o conduziam, pela mão, à sua própria destruição política. Ao contrário de ditadores de maior sucesso, Bolsonaro não aproveitou o amplo apoio político para, velozmente, destruir as bases do regime democrático.
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A título de exemplo, podemos citar a velocidade com que Adolf Hitler conseguiu solapar a República de Weimar e colocar em prática o Estado totalitário do Terceiro Reich: 1º) Em 31 de janeiro de 1933, Hitler fora nomeado chanceler da Alemanha; 2º) Em 28 de fevereiro daquele ano, suspendeu a Constituição alemã pelo famigerado Decreto de Incêndio do Reichstag; 3º) Em 31 de março, formalizou o Estado de exceção aprovando, via parlamento e apoio popular, a Lei de Plenos Poderes; 4º) Em abril, já se construía o primeiro campo de concentração na cidade de Dachau.
Entretanto, ao contrário de Hitler – um frio e calculista sociopata – Bolsonaro, o autossabotador, fez justamente o contrário. Em que pese a série de medidas catastróficas que visavam fragilizar o regime democrático inaugurado pela Constituição de 1988, fato é que, a cada empreitada irracional, Bolsonaro saía menor do que entrava. Assim, ao invés de unir, dividiu. Ao invés de conquistar apoio da mídia, do Exército, de outros países e da própria sociedade, angariou antipatia: e até mesmo muitos integrantes da elite empresarial – que o aplaudiam pela nomeação de Paulo Guedes para a Economia – passaram a reprovar o capitão.
Em plena pandemia de Covid-19, em vez de aproveitar o pânico generalizado para unir o país como um verdadeiro protetor da nação – o que certamente garantiria sua reeleição –, nosso autossabotador da República preferiu se indispor com a classe política; com seus próprios ministros (Moro, Mandetta e Teich); com a maioria dos governadores; com os meios de comunicação; com a China; com os Estados Unidos; com a Europa; com a América Latina; com a ONU e com a própria população, estarrecida com suas toscas declarações proferidas ao vivo e a cores, em rede nacional e nas lives.
A mesma lógica de autossabotagem ocorreu no dia 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro fez de tudo para inflamar seus apoiadores contra o sistema constitucional, o Supremo Tribunal Federal, numa clara tentativa golpista, que foi acompanhada, inclusive, pela ação esquizofrênica e mal orquestrada de caminhoneiros que desejavam paralisar o país. O autossabotador conseguiu o que queria: a humilhação pública, cristalizada em uma cartinha escrita por Michel Temer. Os dias que se seguiram foram de constrangimento e humilhação de sua própria base de fiéis, que sonhavam com a decretação de um estado de sítio, mas que acabaram com uma cartinha patética.
Resultado: novamente Bolsonaro minguava, saía menor do que entrara naquela empreitada, satisfazendo, pois, algum desejo oculto que nem ele deve saber a origem.
Eis que sua autossabotagem parece ter chegado ao clímax: Bolsonaro está prestes a perder as eleições para seu maior rival, Lula. Nota-se como o presidente trabalhou incansavelmente para reviver seu algoz e assumir, de vez, o papel de pateta. A culpa por tantos erros se revela no medo que Bolsonaro tem demonstrado de ser preso, caso perca.
E para o encerramento dessa tragédia já anunciada, o subconsciente sabotador de Bolsonaro já está ensaiando as últimas cenas de seu teatro beckettiano. Talvez uma tentativa fracassada de golpe? Ou quem sabe a não aceitação do resultado apurado pelas urnas? Ou quem sabe ambos?
Não importa qual o caminho a ser seguido por ele, fato é que o subconsciente de Bolsonaro é bastante competente para escolher o desfecho mais ridículo, autodepreciativo e ausente de valor estético. Como diria Nelson Rodrigues, “só o inimigo não trai nunca” e, no caso de Bolsonaro, seu inimigo é ele mesmo.
Digo tudo isso para acalentar os leitores mais aflitos: fiquem calmos, Bolsonaro está trabalhando incessantemente para destruir o próprio Bolsonaro. Ademais, nossa democracia encontra-se amadurecida e o povo dá demonstrações de que aprendeu a importância de seus direitos: hoje, vale mais matar a fome – de alimentos, salário, saúde, educação, moradia, segurança – do que combater um suposto comunismo ilusório criado por uma mente paranoica. Não temam, caros leitores!
No entanto, sejamos corajosos e lutemos, o quão preciso for, pela higidez de nossa democracia. É por isso que estaremos, no dia 11 de agosto, unidos em frente à Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para lermos nossa Carta aos brasileiros, esta sim, honrosa.
É tempo de virar essa página e recuperar a autoestima. Se Bolsonaro tem orgulho da própria vulgaridade, tenhamos amor próprio: sejamos o país digno que merecemos. O Brasil é rico, plural, belo e apaixonante: sejamos, assim, do nosso próprio tamanho.